sábado, 21 de abril de 2012

Sobre literatura infantil

"literatura infantil" tem, a meu ver, existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de construir alimento para o espírito da criança ou do jovem e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro de viagens ou aventuras, destinado a adultos, que não possa ser dado à criança, desde que vazado em linguagem simples e isento de matéria de escândalo? Observados alguns cuidados de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança um ser à parte, estranho ao homem, e reclamando uma literatura também à parte? Ou será a literatura infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado – porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância. Vêm-me à lembrança as miniaturas de árvores, com que se diverte o sadismo botânico dos japoneses; não são organismos naturais e plenos; são anões vegetais. A redução do homem, que a literatura infantil implica, dá produtos semelhantes. Há uma tristeza cômica no espetáculo desses cavalheiros amáveis e dessas senhoras não menos gentis, que, em visita a amigos, se detêm a conversar com as crianças de colo estas inocentes e sérias, dizendo-lhes toda sorte de frases em linguagem infantil, que vem a ser a mesma linguagem de gente grande, apenas deformada no final das palavras e edulcorada na pronuncia... Essas pessoas fazem oralmente, e sem o saber, literatura infantil.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa & prosa. Rio de janeiro: José Aguillar, 1967.


um bom livro infantil é uma boa leitura para adultos, sem dúvida, acrescento.
 

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