"literatura infantil" tem, a meu ver, existência
duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma
obra literária deixa de construir alimento para o espírito da criança ou do
jovem e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro de viagens ou
aventuras, destinado a adultos, que não possa ser dado à criança, desde que
vazado em linguagem simples e isento de matéria de escândalo? Observados alguns
cuidados de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a
criança um ser à parte, estranho ao homem, e reclamando uma literatura também à
parte? Ou será a literatura infantil algo de mutilado, de reduzido, de
desvitalizado – porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação
da infância é a própria infância. Vêm-me à lembrança as miniaturas de árvores,
com que se diverte o sadismo botânico dos japoneses; não são organismos
naturais e plenos; são anões vegetais. A redução do homem, que a literatura
infantil implica, dá produtos semelhantes. Há uma tristeza cômica no espetáculo
desses cavalheiros amáveis e dessas senhoras não menos gentis, que, em visita a
amigos, se detêm a conversar com as crianças de colo estas inocentes e sérias,
dizendo-lhes toda sorte de frases em linguagem infantil, que vem a ser a mesma
linguagem de gente grande, apenas deformada no final das palavras e edulcorada
na pronuncia... Essas pessoas fazem oralmente, e sem o saber, literatura
infantil.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa & prosa. Rio de janeiro: José
Aguillar, 1967.
um bom livro infantil é uma boa leitura para adultos, sem dúvida, acrescento.
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